sexta-feira, 11 de maio de 2007

Sobre ética e algumas convicções às 3 da madruga

É sempre assim: eu trabalho (muitas vezes) o dia inteiro, minha diletíssima espousa também, chegamos os dois exaustos, temos que tombar as crianças na cama e aí sim podemos sentar, relaxar em frente à televisão e... dormir. Das dez e meia ou onze até lá pra duas e quarenta e cinco, quando um dos dois, geralmente eu, acorda com o Shop Tour, o pastor ou algum filme com o David Caruso e chama o outro pra cama. E é aí que começa os altos papos filosóficos da madrugada. Não sei bem por quê. Acho que a gente já deu aquela descansadinha nos neurônios, livrando os pobrezinhos de preocupações como comprar carne, reunião com clientes, novidades com a empregada, de onde vamos tirar grana, essas coisas. E aí o cérebro está livre para divagar sobre assuntos mais profundos.
Ultimamente temos debatido se é a mesma coisa conquistar uma vaga, digamos, numa instituição por seu próprio mérito e ser indicado por alguém influente na dita cuja. Concordamos que se a pessoa for um completo imbecil, enfiado lá apenas para chupar uma grana ou aceito como empregado (geralmente nesses casos em cargo de chefia...)só para satisfazer o "padrinho", obviamente não é a mesma coisa do que galgar o caminho pelo seu esforço. Partimos, então, do princípio que a pessoa a ocupar o cargo seja suficientemente competente para ele. Como tantas outras podem ser. Minha questão é: O que faz ESTA pessoa ser escolhida para o cargo entre as outras igualmente capacitadas? O que difere na hora de tomar a decisão final, de bater o martelo? Se todos os critérios se equivalem, como é feita a decisão?
Meu palpite é Lobby. Não necessariamente no sentido que a gente ouve nos corredores do senado (ou pode até ser), mas um lobby individual mais sutil. Fulano amigo de fulano já ouviu falar desse aí, do outro não. Parece que ele conhece alguém que é amigo de um dos diretores. O pai dele já fez um bom trabalho em uma instituição semelhante. Ele dá palestras em Miami e consultoria em Johanesburgo. O outro... bom, ele preencheria o cargo satisfatoriamente também, mas... Mas o que? Ele não conhece ninguém que você conhece?Ele tem uma vida? Ele faz outras coisas que não trabalhar? Ele gosta de ir ao cinema, imaginem, fica duas horas pensando em outra coisa que não a nossa instituição! Ingrato, tratante, folgado do cacete! Pra fogueira do desemprego com ele!
Já minha mui amada senhoura acha que ser indicado é não só natural como obrigatório para quem está com os pés no chão e não numa nuvem de romantismo e nobreza como eu (eu?). Que é óbvio que quem está em posição de dar um cargo a outro alguém logicamente vai procurar quem está mais perto dele, mesmo que não seja, talvez, a melhooooor opção de todas (lembrem-se, estamos falando de pessoas capacitadas para a função). E que ser amigo dessas pessoas é praticamente um dever de quem quer subir na escala das instituições. E que isso, por si só, não é exatamente lobby. (Eu acho que isso já pode, sim, ser enquadrado naquela categoria de hobby sutil). É mais um processo natural de "uma mão lava a outra". E aí eu me arrepiei.
Natural? O natural é eu fazer um favor para alguém já pensando em cobrar a minha parte? Será que essa mentalidade está tão arraigada na cultura brasileira que ninguém mais vê a possibilidade de se conseguir algum sucesso (notadamente financeiro) por pura e simplesmente sua capacidade? Pois se minha mulher, que é uma profissional liberal esclarecida e inteligente, que cursou uma das melhores universidades do Brasil, num curso tido como um dos mais propensos à filosofia, ética, pensamentos humanistas e tal acha que o jeito natural é o nepotismo - ainda que com pessoas habilitadas - o que pensará o infeliz que tem que pegar doze ônibus e trinta trens por dia pra ganhar 500 real no fim do mês?
Tudo isso às três e cacetada da manhã. Quem falou que ser casado não é emocionante?

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